Ser esposa de pastor na contemporaneidade tornou-se um
desafio diferente de alguns anos atrás. Certa vez, um casal de amigos, cujo
marido era pastor, me contou como ocorreu a negociação para "ele
assumir" o pastorado em uma nova igreja. A pergunta-chave foi: "O que
a sua esposa sabe fazer?" O pastor-candidato retrucou: "Como
assim?" Então, o interlocutor foi mais explícito no questionamento:
"Ela sabe tocar piano? Ensinar no departamento infantil? Já foi líder do
departamento de senhoras? Gosta de hospedar pessoas? Enfim, ela é um braço
direito no seu ministério?"
Se essas perguntas fossem feitas no mundo corporativo e no
mercado de trabalho em geral, surgiria logo a questão principal: 'Quem está
sendo contratado, o pastor ou sua esposa?' Mas, no mundo eclesiástico, percebemos
facilmente que esse questionário é uma realidade ainda em nossos dias. Talvez,
nos tempos atuais, a pergunta não fique restrita somente a tocar piano, ensinar
e dirigir, mas também a pregar e trabalhar para ajudar nas despesas da família
– afinal, é bom ter o trabalho de dois e pagar somente a um.
Diante dessa realidade, algumas esposas de pastores têm-se
sentido sufocadas com tantas cobranças feitas a elas no meio eclesiástico. A
sensação é de estar exposta em uma vitrine 24 horas por dia, como se não fossem
mulheres normais, com tensão pré-menstrual, conflitos, medos, perdas etc. Por
outro lado, nenhuma igreja gosta de ter uma "pastora" que não
participa em nada da igreja: a esposa do pastor deve ser alguém que sempre está
pronta a servir a comunidade e dar bons exemplos. E aí começa o grande dilema –
equilibrar as tarefas de modo a se fazer presente na vida da comunidade, sem se
sentir sobrecarregada.
O fato é que nossas igrejas tem colocado expectativas
irreais em relação as esposas dos pastores, cobrando-as sem valorizá-las. Por
exemplo: são poucas as igrejas que fazem homenagem e dão presentes às esposas
de seus pastores no dia do aniversário delas, porém, ao mesmo tempo exigem que
sempre estejam bem vestidas, bonitas, cheirosas e de bom humor. Algumas igrejas
até dão presentes, mas para casa e não para uso pessoal, valorizando assim o
lar e não a pessoa em si. Por outro lado, vemos esposas frustradas por
trabalharem tanto e não serem reconhecidas, e ainda escutando frases como
"é obrigação dela fazer isso e aquilo."
"JOGO DE DESILUSÕES"
Como igreja, precisamos reformular o conceito de esposa de
pastor, nos posicionando, antes de qualquer coisa, como serva de Deus – tenha
ou não um chamado ministerial. O que não convém é continuar com esse "jogo
de desilusões" de ambas as partes, pois isso não agrada ao Senhor. Se
você, querida leitora, é esposa de pastor e não se sente "pastora",
deixe isso bem claro para a sua comunidade. Mas também esclareça de que maneira
você servirá ao Reino, pois o grupo no qual você está inserida se alegra em
dizer o que você faz – afinal, somos missionários ou um campo missionário.
Você pode ser uma bênção para sua igreja em sua profissão,
como médica, psicóloga, enfermeira, fisioterapeuta, dentista, dona de casa ou
qualquer outra atividade. O que importa é alcançar a honra do Senhor e depois
dos irmãos na comunidade que Deus escolheu para você e seu esposo. Nada mais
valioso para um pastor e sua comunidade do que ver sua família servindo ao
Senhor, isso não tem preço, requer tempo e disponibilidade do casal a quem Deus
tem confiado isso. Em 1 Timóteo 5.8, Paulo ensina que se alguém não tem cuidado
dos seus e especialmente dos da própria casa, tem negado a fé e é pior do que o
descrente. Nunca entendi por que tanta cobrança em cima da esposa do pastor, se
a Bíblia é clara sobre a responsabilidade pastoral em relação à sua família.
Para algumas esposas de pastores que conheço, essa função é
uma honra e alguns a consideram uma felizarda por ser casada com um ministro
celestial e receber o título de primeira-dama. Porém, para outras, tem sido um
peso quase insuportável, chegando algumas a adoecerem, sofrendo de males como
depressão, gastrite e câncer. O motivo dessas enfermidades, com frequência, é
que as mulheres nem sempre se preparam para casar, muito menos para se casarem
com pastores. Estão despreparadas para enfrentar a dinâmica eclesiástica com
suas cobranças sem muitos esclarecimentos. Jim Rohn diz: Ninguém planeja
fracassar. As pessoas fracassam por não planejar. Mas, como planejar as
expectativas dos outros sobre você? Como elenca Glória Lindsey Trotman, em seu
livro Surpresas de uma vida incomum, em geral a esposa de pastor tem dentro
dela algumas perguntas que não querem calar, como: Quem estabeleceu tantas
regras? Quais são essas regras? Quando entram em vigor? Onde as regras estão
escritas? Como conhecê-las? Por que ninguém contou isso antes?
São perguntas como essas que adoecem a primeira-dama,
levando-a algumas vezes a ter vontade de 'sumir' por carregar tanto peso, pois as
"respostas" nem sempre são satisfatórias. As crises chegam, e é nesta
hora que ela necessita de firmeza para enfrentar algumas ciladas comuns na vida
de uma esposa de pastor. Aqui, elenco algumas dessas armadilhas:
1ª) PERDA DO NOME: A esposa do pastor precisa ter firmeza de
quem ela realmente é, pois seu nome de nascimento é substituído pela nova
função que recebeu: esposa de pastor. O que ela não deve perder é a sua
identidade de mulher. Muitas vezes é apresentada sem ter seu nome próprio
citado, mas como esposa do pastor fulano de tal. Nestas ocasiões, é importante
que seu cônjuge, sem agressão, faça uma nova apresentação citando o nome
próprio dela. Afinal, antes desta função, ela já era uma pessoa criada à imagem
e semelhança de Deus, e amada por Ele: à Sua imagem, à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou (Gn 1.27). Deus abençoou os dois, macho e fêmea.
Da mesma maneira que o homem, a esposa de pastor também é
citada em Mateus 10.30, quando Jesus diz que até os cabelos da cabeça de vocês
estão todos contados. Podemos ver e sentir neste texto da Palavra de Deus, o
quanto Ele olha para a singularidade de suas filhas também. E, para completar a
construção da autoestima da esposa de pastor, ela nunca pode esquecer que o
sacrifício na cruz do Calvário também foi por ela. Outro fato interessante é
observar que algumas vezes o pastor também perde seu nome de registro, porém, é
trocado por um título bem espiritual: pastor, enquanto a esposa tem seu nome
trocado por uma função.
2ª) EXPECTATIVAS IREAIS: Viver em função das expectativas
dos outros não fácil. Todo ser humano gera expectativas irreais em relação ao
próximo, o que pode levar a sérios desgastes físicos e emocionais de ambas as
partes. O esposo que tem suas expectativas físicas, emocionais e espirituais em
relação a sua amada, os filhos esperam muita ajuda e compreensão da mãe, a
igreja espera ações e reações da esposa do pastor que, tantas vezes, ela nem
sonha quais são.
Nestas horas, a esposa de pastor deve ter sabedoria para
identificar o que vem de Deus e o que vem de caprichos humanos, para não se
deixar levar de um lado para outro e esquecer que ela também tem expectativas
reais em relação a si mesma e aos que com ela convivem diariamente. É
fundamental, ao detectar que a expectativa não é divina, e sim humana, dizer
não para todos e sim para ela mesma.
Lembro-me de um episódio que aconteceu com nosso filho mais
velho quando era criança. Após a Escola Bíblica Dominical (EBD), as crianças
corriam num espaço anexo do templo, enquanto nós, adultos, conversávamos em
reuniões infindáveis. A professora dele disse, em claro e bom som: "Você é
filho de pastor, não pode ficar correndo aqui, tem de dar bom exemplo para as
outras crianças". Naquela hora, o sangue me subiu todo para a cabeça, me
levantei, respirei fundo, pedi sabedoria ao Senhor e fui até a professora que,
sorrindo, me confirmou o que dissera e que eu já havia escutado. Chamei-a em um
canto e expliquei que meu filho era uma criança normal, tinha saúde e energia e
gostava de correr como as demais crianças. Pedi a ela que comentários como
aqueles não fossem mais feitos. Ela ainda insistiu por um tempinho, mas depois
concordou e começou a elogiar o meu filho, dizendo que ele era um excelente
aluno na EBD. São em situações dessa natureza que necessitamos de sabedoria e
palavras mansas para desviar o furor de algumas pessoas com expectativas
irreais concernentes à família pastoral.
3ª) ESTRESSE FINANCEIRO: A grande maioria das esposas de
pastores deveriam fazer cursos de como administrar pouco dinheiro e manter a
casa sempre suprida de tudo. Afinal, em alguns casos, as visitas na casa
pastoral são constantes e inesperadas. Ela também deve fazer milagres para
vestir bem toda a família e a ela mesma. A igreja pode se fazer presente também
neste cuidado em vestir a família pastoral.
Recordo-me as muitas vezes que minha família foi e é
abençoada com presentes, que nem mesmo pedimos ao Senhor, mas Ele, na sua
infinita bondade, providencia para nós. Alguém já comentou que a família
pastoral é como um aquário. Constantemente há pessoas observando se está tudo
bem e bonito. Como todo cristão que honra o nome do Senhor com suas primícias,
a família pastoral também deve fazê-lo e de bom grado: Honra ao SENHOR com os
teus bens e com as primícias de toda a tua renda; e se encherão fartamente os
teus celeiros, e transbordarão de vinho os teus lagares. (Pv 3.9-10). É
importante o controle das finanças no lar pastoral, para que não venha a
envergonhar o nome do Senhor. Porque, algumas vezes, podemos cair na cilada
financeira de 'comprarmos o que não precisamos, com o dinheiro que não temos,
para provar ser o que não somos à pessoas que não gostamos'. O texto de
Provérbios 15.16 diz que melhor é o pouco, havendo o temor do Senhor, do que
grande tesouro onde há inquietação. Portanto, esta é uma área em que também a
esposa do pastor pode ajudar a manter um equilíbrio eficaz.
4ª) SOBRECARGA DE COMPROMISSOS: É necessário ter muita
cautela nesta área para não dar o passo maior que a perna. Algumas esposas de
pastores, na ânsia de agradar a igreja, aceitam cargos e assumem compromissos
demasiados, que podem levá-la à estafa ou a não ter tempo suficiente para se
cuidar, cuidar dos filhos do esposo e da casa. Deus não nos pede mais do que
possamos realizar: Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as
tuas forças (Ec 9.10). Se deixarmos que a igreja determine nossa carga horária
de trabalho, podemos ser injustas conosco e com nossa família. Por isso, é
importante saber dividir o tempo que o Senhor nos presenteia diariamente,
mensalmente e anualmente.
Algo que não deve faltar na vida de uma esposa de pastor é
uma agenda bem dividida para os seus compromissos pessoais (hora devocional,
arrumar cabelos, fazer unhas, caminhar, fazer terapia), familiares (tempo com o
esposo para orar, namorar, conversar, sair com os filhos, ensinar tarefas) e
eclesiásticos (preparar palestras, reuniões, ensaios, visitações). Cada uma
deve fazer sua agenda conforme as necessidades assumidas livre e
espontaneamente, para que assim não se sinta esgotada física e emocionalmente.
Essas e outras são ciladas enfrentadas constantemente pelas
esposas de pastores. Devemos reconhecer quando essas armadilhas estão nos
cercando, e assim, tomarmos posições sábias para que não se instalem em nossas
vidas. É muito importante nestes momentos o reconhecimento e a ajuda do
esposo-pastor para que ela não se sinta sozinha e marginalizada na hora das
lutas. Com certeza, a ajuda dele fortalecerá as forças de sua amada, como
também revigorará o casamento, o qual, para caminhar bem, precisa que a
singularidade dos cônjuges seja estimulada.
Ser esposa de pastor, sempre foi um grande desafio, em
especial pelas expectativas geradas pelas igrejas, mas, ao mesmo tempo, é uma
honra caminhar, chorar, sorrir, dormir e acordar ao lado de alguém que foi
separado por Deus para ser Seu ministro aqui na terra. Alguém que um dia achou
uma mulher que o escolheu e ele a escolheu para estarem juntos, até que a morte
os separe. A casa e os bens vêm como herança dos pais, mas do SENHOR, a esposa
prudente. (Pv 18.22). Quem caminha sozinho pode até chegar, mas quem caminha
acompanhado chega melhor e mais rápido.
Portanto, é honroso ser esposa de pastor; porém, é
impossível exercer esta função sem ter um compromisso sério com Deus, que a
fortalece todos os dias e a conforta nas horas de tribulações. É um privilégio
acompanhado de responsabilidade para com o Reino e o mundo, pois todo bônus tem
seu ônus. Louvado seja Deus que viu em nós, esposas de pastores, capacidade
também de cuidar de um rebanho, seja ele pequeno ou grande, mas aquele que o
Senhor confiou juntamente com seu marido.
Rosélia Nobre Quaresma é psicóloga clínica, psicodramatista,
assessora familiar, educadora teológica, missionária da Sepal no Nordeste,
esposa do Pr. Marcos Robson Quaresma de Araújo.
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