Culto doméstico é o ato de se cultuar a Deus dentro de casa.
Anunciado como excelente teoria e quase nunca divergido pelos fiéis, o culto
doméstico é o que existe de mais fictício na vida da maioria das famílias. Algo
que se considera excelente, muito bom, um autêntico bálsamo, mas, na realidade,
a maioria dos casais nunca o viu, nunca dele participou, nunca conheceu um. Na
casa de onde vieram jamais se praticou. Em seu casamento nunca houve uma
oportunidade. E se houve, não se sabia bem o que fazer. Portanto, é uma utopia,
um "horizonte utópico", que serve muito bem como alvo a ser desejado
e jamais alcançado.
No passado (décadas atrás) os crentes realizavam o culto
doméstico. As casas dos pastores e dos crentes fiéis eram ninhos para a
formação do caráter cristão com a prática da adoração em família. Tive o
privilégio de conversar com a Professora Nicéa de Souza, filha do saudoso
pastor Manoel Avelino de Souza, autor de diversos hinos do Cantor Cristão e
pastor da Primeira Igreja Batista de Niterói, Rio de Janeiro. Segundo ela, o
que mais marcou a sua vida foram os cultos domésticos realizados em sua casa,
com o pai orando, pregando e a família cantando, dia após dia, ao longo de
muitos anos. O resultado não podia ser outro: filhos ajustados, equilibrados,
cristãos, de alto poder intelectual, moral, social, espiritual.
Hoje eu proponho o culto doméstico como terapia. Eu o
recomendo como um bálsamo e o remédio para a maioria dos problemas familiares.
E quais são eles? São muitos e conhecidos pela maioria: falta de comunicação,
problemas de hierarquia de posições entre marido e mulher, falta de perdão,
filhos distantes e rebeldes, feridas antigas jamais tratadas, frieza espiritual
generalisada (nem a oração pelas refeições acontece!), crises institucionais
com a constante ameaça de separação, pobreza da mensagem cristã, falta do ato
conjugal do casal. Isso tem afetado homens e mulheres, pastores e leigos, ricos
e pobres, cultos e analfabetos. Com o império da internet, das redes sociais,
da televisão e da mediocridade, a sala de casa deixou de ser o centro de
convívio para tornar-se a porta de entrada do mundo no coração da família.
Mas o culto doméstico está aí, disponível para quem o
desejar. Pouco importa a sua forma, o seu roteiro. Alguns o fazem longo, com
orações, cânticos, pregação, participação dos membros da família. Outros o
realizam rápido, com uma leitura bíblica e uma oração. O importante não é o
tempo de duração ou o formato com diversos conteúdos, mas a busca de Deus em
comunhão familiar e com absoluta constância. Ele é terapêutico, curativo. E
quais são os seus benefícios?
O culto doméstico quebra o distanciamento dos familiares.
Geralmente a rotina e os problemas mau resolvidos são apenas assimilados e
jamais tratados. No culto doméstico, porém, o contato com a Palavra de Deus e
com a presença do Senhor, os corações são tocados, são aquecidos, são
convertidos e transformados. Numa leitura bíblica as escamas dos olhos podem
cair e o perdão pode aparecer. Numa oração o perdão pode chegar e a
reconciliação brotar. Conta-nos o saudoso missionário Orlando Boyer, a quem
tive o privilégio de conhecer também, que os avós de Hudson Taylor foram assim.
O avô converteu-se e a avó era uma crente nominal. Esse homem orava de joelhos
todas as noites pela alma da esposa, até que um dia a mesma, ajoelhando-se,
decidiu entregar-se ao Salvador Jesus. O culto doméstico pode levar os
inconversos da casa aos pés de Jesus!
O culto doméstico gera pensamentos cristãos. Geralmente
acostumamo-nos com o jeito mundano de ser: linguagem torpe, encantamento por
personagens de filmes e novelas, discussões efêmeras de política, futebol e
consumo etc. O culto doméstico traz novos temas, traz a bíblia para o
pensamento familiar. Um culto onde se aborde o amor de Rute faz com que o amor
de pais, filhos e cônjuges seja avivado; uma abordagem da consagração de Cristo
à oração motiva os familiares a buscarem mais ao Criador. Uma leitura de textos
proféticos do fim do mundo conscientiza de que estamos aqui mas a nossa Pátria
é lá no Céu. Assim, deixamos o mundo numa relevância secundária e passamos a
meditar nas coisas lá do Alto, onde Cristo está assentado, à direita de Deus
Pai.
O culto doméstico muda atitudes. Um casal que nem se
cumprimenta no dia a dia, filhos que não tomam a bênção dos pais e nem
respeitam as suas orientações, familiares que não cooperam em nada com a
manutenção da casa, são tocados pelo poder da oração e da explanação da bíblia
a agir com mais amor, maior dedicação e consciência. Assim, passam a pedir
perdão quando agem errado, agradecem às refeições, pedem permissão e orientação
dos pais para coisas novas ou perigosas, a apresentam a Deus as demandas e
deixam que Ele os conduza. Maridos tornam-se mais gentis, esposas aprendem a
serem submissas em amor, filhos tratam seus pais com maior respeito, a família
aprende a orientar-se não pela mídia, pelas redes sociais ou pelo pensamento
vigente, mas pela Palavra de Deus.
O culto doméstico cura feridas. Há coisas que não são ditas,
que magoaram, feriram, causaram dor e muita tristeza. O culto doméstico expõe a
verdade, tratando o pecado como pecado e a mágoa como realidade. Quem deve
aprende a pagar ou a pedir perdão e quem é credor aprende a perdoar e ajudar o
causador da mágoa. Isso faz com que as ameaças de separação ou de revide cessem
e pavimentam o caminho da constante reconstrução das paredes danificadas do
lar. Tive o privilégio de ser hospedado na casa do Pastor Marcos Amazonas dos
Santos, da Primeira Igreja Baptista em Coimbra, Portugal, e vi a realização do seu culto doméstico. Cada
membro da família era motivado a dizer algo bom a respeito do outro e a contar
algo de que não gostaram em seu comportamento. Ao final, todos se
reconciliavam, louvavam a Deus e aprontavam-se para mais uma semana de vida na
presença do Senhor. Que terapia maravilhosa!
O culto doméstico aprimora a fé. Há crentes cujas bíblias só
se abrem na igreja. Aliás, nem lá, uma vez que os pastores e líderes, ávidos
por tecnologia, colocaram-na no datashow e agora nem é necessário portá-la. Há
crentes cujas bíblias estão nos celulares, não há livro algum. O resultado não
poderia ser outro: uma fé tecnológica, virtualizada, sem papel, sem anotações
reais, que funciona quando há bateria para exibi-la e que não permite interação
tactil. O culto doméstico corrige isto. A bíblia da família é um desses bens. Cada
encontro pode ser anotado, registrado. As boas experiências podem ser
destacadas, aprende-se a anotar, a grifar, a decorar, a vivenciar. Além disso
aprende-se a orar pelo outro, pelo próximo, pela obra missionária, pelo
evangelismo, pelos enfermos, pela própria fé.
Por fim, o culto doméstico nos prepara para o Céu. Enquanto
o mundo exibe mortos vivos como a realidade pós-morte e transforma a sociedade
num grande vale de perdidos, o culto doméstico leva a família a preparar-se
para a grande viagem, para o Céu, para o Reino de Deus, onde não há mais morte,
nem pranto, nem dor, nem separação, nem tristeza. O cultivo de Deus no lar faz
com que a casa seja a "sala vip" do Céu, condicionada com as coisas
lá do Alto, vivenciando Deus rotineiramente, impregnando respeito, amor,
abnegação, caráter e qualidades cristãs em seus participantes.
Assim, como alguém que tem experiência pessoal na própria
casa, posso afirmar com convicção que o culto doméstico é terapêutico. Minha
esposa e eu aprendemos que não há como mantermo-nos magoados um com o outro,
pois do contrário o nosso culto não será aceito. Assim, comprometemo-nos a nos
perdoar diariamente mesmo que não sentíssemos vontade para isso. Perdão não é
uma questão de sentimentos, mas de obediência. E então, com os corações limpos,
semeamos dia após dia a presença de Deus, de Sua Palavra, de Cristo e do Ceu em
nossa sala, em nosso quarto, em nosso lar. E não precisamos fazer cultos
longos, com diversas partes. A vida quotidiana não nos dá chance de longos
encontros, com compromissos tão variados. Mas isso não nos impede de
diariamente orarmos juntos, lermos as Escrituras Sagradas, dizermos uma rápida
palavra aplicativa e apresentarmos a Deus as nossas súplicas.
Que tal começar? No início pode ser algo artificial, forçado,
sem vontade, só por obediência. Porém, aos poucos, com a leitura da bíblia, a
oração e a comunhão, tudo irá se aclarando. Os grandes problemas se
apequenarão, os enormes desafios se tornarão mais fáceis, a frieza no
relacionamento cederá ao fogo incandecente das labaredas do amor do Senhor e a
glória "do segundo templo será maior do que a do primeiro", isto é, o
tempo de comunhão renovará a alegria da vida e da existência de nossa família.
Antes de fazer terapia com remédios ou com analistas, que
tal o culto doméstico?
Pr. Wagner Antônio de Araújo
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