Será que Jó não tem razões para temer a Deus? Acaso não
puseste uma cerca em volta dele, da família dele e de tudo o que ele possui?
(Jó 1:9,10)
O livro de Jó é um dos mais impressionantes, intrigantes e
ricos de todo o Antigo Testamento, sem falar também que é uma pérola da
literatura.
Como todo livro do gênero sapiencial, o livro de Jó possui
uma mensagem de prática aplicação a situações concretas da vida, ou nos fornece
uma chave de interpretação para eventos aparentemente desconexos de nossa
existência. No caso de Jó, além destes dois fatores, a narrativa nos apresenta
uma sólida teologia acerca da soberania de Deus sobre o mundo (visível e
invisível), e todos os demais atributos de Deus, quer ‘comunicáveis ou
incomunicáveis’.
Há também uma lição importante sobre vida espiritual sadia e
madura.
A pergunta-afirmação de Satanás possui fundamento (Jó
1.9-10). É real e possível a gratidão e fidelidade a Deus embasada apenas em
benefícios recebidos, em graças alcançadas, em favores desfrutados. Satanás
questiona o fundamento da fidelidade de Jó. Afinal de contas, Jó não tem do que
reclamar se comparado à vida de outros homens ele é um felizardo. Rico, sábio,
afamado, com uma grande família, nenhuma peste ou doença tem se aproximado de
sua tenda, não possui inimigos, pelo menos não suficientemente capazes de
fazê-lo perder uma noite de sono. Jó é um abençoado.
Satanás “desafia” esta fidelidade quanto a sinceridade de
seu coração, como que propondo um teste para Deus. O Senhor permite uma
limitada, porém ampla atuação de Satanás na vida de Jó: bens, afetos,
familiares, casamento, amigos, fama, admiração. Tudo vai saindo de sua vida de
modo inesperado e catastrófico. Jó perde o controle de sua história, não,
porém, a sua convicção de que Deus continua soberano. Por fim, também a sua
integridade física e psíquica começa a sofrer os ataques do diabo e começa a
experimentar uma espécie de depressão. Jó é tentado a apostatar, a blasfemar, a
crer numa teologia deformada quanto ao caráter santo, justo e amoroso de Deus.
De fato, se Satanás estivesse certo, já não havia razões plausíveis para que
continuasse fiel, grato e obediente.
Incrivelmente no início de sua desventura, vislumbramos um
pouco da índole de Jó: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o
deu e o Senhor tomou; bendito seja o nome do Senhor.” (Jó 1.21).
Infelizmente a gratidão por amor a si mesmo, mais do que por
amor a Deus também se estende sobre as nossas relações:
Se vocês amam somente aqueles que os amam, o que é que estão
fazendo de mais? Até as pessoas de má fama amam as pessoas que as amam. 33 E,
se vocês fazem o bem somente para aqueles que lhes fazem o bem, o que é que
estão fazendo de mais? Até as pessoas de má fama fazem isso. (Lucas 6.32-33).
Muitos cultivam certa relação pacífica, de entendimento e
amizade, na mesma medida em que são beneficiados em algo. Entretanto, quando se
vêm frustrados ou contrariados, se enraivecem e se tornam inimigos letais.
Com Deus a conduta em nada se difere. Não suportam os
reveses da vida. Não conseguem administrar perdas e dores. Como crianças
mimadas culpam a Deus por suas falaciosas esperanças não correspondidas, tem
uma deturpada imagem de um ‘deus’ mágico e serviçal. Deus procura adoradores
que o adorem em espírito e verdade e não bajuladores. Isto significa que Deus
que ser adorado, amado, servido, por quem o busca por aquilo que Ele é, pelas
excelências de seu caráter, pela beleza de sua santidade. Qualquer outra
motivação, ainda que seja a gratidão, nunca será suficiente ou plena de verdade
nos relacionarmos com Deus.
O benfeitor deve ser amado mais do que o bem feito. O doador
deve ser mais desejado que o dom. Peçamos a Deus para que Ele nos tire da
criancice espiritual, que ele nos dê de Jó mais que sua paciência, nos conceda
também a pureza de suas intenções e fidelidade no tocante a Deus. Peçamos ao
Senhor que saibamos amá-lo por sua santidade indefectível mais do que pelo seu
poder invencível.
Por Luiz Fernando dos Santos
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