“Em memória mim” (Lc 22. 19).
A solenidade litúrgica e o feriado de Corpus Christi são eventos e momento que ou causam alguma confusão ou, na verdade, são ignorados pela ampla maioria dos cristãos evangélicos no Brasil e no mundo.
De fato, as controvérsias em torno da Eucaristia não são
novas, não é exatamente uma questão havida apenas nos dias da Reforma
Protestante. Os pais apostólicos, como Inácio de Antioquia, se viram às voltas
com disputas acirradas com os gnósticos que possuíam uma interpretação
exageradamente mística desta celebração. Devido às várias interpretações que
desde cedo este sacramento recebeu, não poucos autores da patrística foram
forçados a dizer algo a respeito. Muitos documentos de orientação litúrgica e
instrução catequética foram publicados para conduzir a Igreja em meio as suas
dúvidas. Aqui encontramos as Constituições Apostólicas, a Didaqué, As Tradições
de Justino e Hipólito, as Catequeses Mistagógicas e numerosos sermões.
Talvez, por causa de tantos desencontros a palavra que mais
prevaleceu entre os cristãos antigos para a celebração do memorial do Senhor
foi: “Os santos mistérios”. Este mistério não significava que havia algo de
nebuloso e arcano, acessado apenas pelos iluminados, mas a comunicação de uma
graça invisível prometida a todos os que, crendo, obedeciam ‘fazendo isso em
memória de mim’. Por quase mil anos a Igreja cristã ocidental e oriental esteve
unida pela mesma Mesa Eucarística, expressão maior de sua indivisível comunhão
e unidade. As diferenças entre as duas expressões da Igreja se davam mais em
torno de ênfases do que em substância. A Eucaristia era sinal, símbolo,
presença, sacramento e memorial. A presença nunca foi, de fato, negada pelo
cristianismo histórico. Mas, nunca foi uma presença física, local e
substancial. Antes, essa presença era espiritual, real e nunca nos elementos,
mas na assembleia reunida para a celebração.
O reducionismo teológico da Eucaristia a uma concepção de
simples lembrança e de ausência de qualquer graça comunicada vem à tona com
força, pela primeira vez, com os ensinos do monge francês Berengário, Mestre
Escola na Catedral de Chartres e professor de Teologia em Tours.
Berengário foi duramente perseguido e depois processado em
um dos Concílios do Latrão e forçado a voltar atrás em suas ideias e
ensinamentos. O “mal”, porém, estava feito. Seus ensinos alcançaram os séculos
XII e XIII e foram difundidos pelo arcebispo Maurino de Narbone que sofreu uma
dura advertência do Papa Clemente IV em 28 de outubro de 1267. Numa carta
enviada pelo pontífice com o título de “Quanto Sincerius” a doutrina da
Transubstanciação1 seria consolidada no magistério oficial católico. Antes
disso, porém, em 11 de agosto de 1264 o papa Urbano IV instituiu a festa de
Corpus Christi, ainda sem a procissão com os elementos eucarísticos. Foi uma
resposta a Berengário e àqueles que desposaram as suas ideias. Este costume de
celebrar um dia festivo em honra do Corpo e Sangue de Cristo já existente na
piedade popular ignorante de Bíblia e Doutrina, estendeu-se para toda a Igreja
ocidental. Tomás de Aquino foi o encarregado pelo papa de criar um ofício
litúrgico para essa nova celebração. Em 1317 o papa João XXII publicaria a
Encíclica Clementina ordenando o dever da procissão com a Eucaristia pelas vias
públicas.
Vale ressaltar que esta solenidade, bem como a afirmação da
Transubstanciação, selou de vez a ruptura da comunhão entre ocidente e oriente
já muito combalida por outras questões. De sorte, que esta solenidade é
desconhecida e estranha aos cristãos orientais e ortodoxos, tanto como para os
protestantes em geral.
O século XVI trouxe novas controvérsias em torno do tema. Os
protestantes só concordaram entre si ao discordarem todos da Missa católica. No
mais, Luteranos, Calvinista e Zwinglianos, para ficar apenas nesses, nunca
chegaram a concordar plenamente sobre o assunto.
Resta-nos saber se há alguma coisa a ser aproveitada pelos
evangélicos do século XXI a respeito da superlativa importância dada pelo
católicos a esse sacramento.
À parte do exagero e, claro, da grassa idolatria de um
elemento criado, no caso o pão, em muitos contextos evangélicos, tradicionais e
conservadores inclusive, a Ceia do Senhor tem sofrido cada vez maior
indiferença e desprezo até. Muitos até substituem-na por outros “novos velhos”
sacramentos, como unções, fogueiras, abluções em água, “arcas”, “templos
sagrados” etc.
A pompa de Corpus Christi deveria ser um convite para os
evangélicos retornarem com piedade, reverência e gratidão à singeleza do pão e
do vinho como sinal de pertença e comunhão com Aquele que esperamos voltar um
dia; aí, sim, em Corpo e Sangue glorificados para a vida do crente.
Nota:
1. Transubstanciação é a conjunção de duas palavras latinas:
trans (além) e substantia (substância), e significa a mudança da substância do
pão e do vinho na substância do Corpo e sangue de Jesus Cristo no ato da
consagração. Isto significa que esta doutrina defende e acredita na presença
real de Cristo na Eucaristia. É adotada pela Igreja Católica. Fonte: Wikipédia
ucs
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